Um crime bárbaro, uma investigação travada e um novo capítulo na luta contra a impunidade no Brasil. Um ano após o assassinato do suplente de vereador José Erasmo Gomes de Morais, o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) solicitou oficialmente à Procuradoria-Geral da República a federalização do caso. O pedido, inédito no contexto político recente do interior cearense, alega grave violação de direitos humanos e pede que a Justiça Federal assuma a investigação, hoje paralisada e marcada por falhas gritantes, segundo os promotores.
O instrumento jurídico invocado pelo MP, o Incidente
de Deslocamento de Competência (IDC), está previsto no artigo 109, §5º
da Constituição Federal. Trata-se de um mecanismo que permite a federalização
de casos em que o Estado, por omissão, negligência ou incapacidade, não
garante o cumprimento de tratados internacionais de direitos humanos dos quais
o Brasil é signatário — como o Pacto de San José da Costa Rica.
O crime que chocou o Cariri
Erasmo Morais foi morto a tiros no início da
tarde de 7 de maio de 2024, no Crato, na região do Cariri cearense. De acordo
com as investigações iniciais, ele havia ido buscar o filho na escola e foi
alvejado em frente à própria casa, por dois homens encapuzados armados
com um fuzil calibre 5.56 e uma pistola 9mm. A cena foi registrada por
câmeras de segurança instaladas nas redondezas.
Os exames periciais revelaram que o corpo foi
atingido por mais de 35 disparos, evidenciando a violência e a
precisão do ataque. O carro utilizado no crime — um Fiat Strada branco
com registro de roubo no Rio Grande do Norte — foi encontrado
incendiado dias depois na zona rural do município.
Suspeitos agiram sob os olhos do Estado — e
destruíram provas
Poucos dias após o crime, as câmeras de
segurança que haviam captado o deslocamento do veículo dos criminosos estavam
instaladas num galpão em Juazeiro do Norte. Segundo o MPCE, antes mesmo que
fosse autorizada a busca e apreensão judicial, dois homens,
acompanhados de advogados, invadiram o imóvel e removeram o HD do sistema de
gravação, danificando o equipamento. Impressões digitais de um dos invasores, foram encontradas no HD e no
material de acondicionamento.
Apesar disso, nenhum dos envolvidos
foi preso ou denunciado, e nenhuma medida efetiva foi tomada
contra os responsáveis pela destruição de provas. O MP destaca que
essa omissão comprometeu seriamente a apuração dos fatos.
No local, também foram apreendidos carregadores
de armas de fogo, mas até hoje não se sabe de quem eram ou quem os
manipulou — embora tenham sido encontrados vestígios de impressões digitais.
Celular da vítima ainda não foi periciado
Um dos pontos mais alarmantes destacados
pelos promotores é o fato de que, mesmo mais de um ano após o crime, o
aparelho celular de Erasmo Morais ainda não foi analisado. O
equipamento foi apreendido no dia do assassinato, mas não houve extração de
dados, nem análise das comunicações, mensagens ou possíveis ameaças recebidas —
um erro considerado “inaceitável” em uma investigação desse porte.
Falência da persecução penal estadual
No pedido assinado pelos promotores José de
Deus Terceiro Pereira Martins, Rangel Bento Araruna e Thiago Marques Vieira, o
Ministério Público afirma que há “falência institucional” do Estado do
Ceará na condução do caso. Segundo o documento, a Polícia Civil deixou
de realizar diligências básicas, como a oitiva de testemunhas-chave,
rastreamento de veículos e análise de provas técnicas.
“A investigação parou. A última movimentação
processual relevante tem mais de cinco meses. O inquérito está à deriva”,
afirma um trecho da representação.
O MPCE ainda alerta para a atuação de
possíveis grupos organizados ou de extermínio, dada a sofisticação do
crime, a destruição deliberada de provas e a ausência de resposta estatal. Para
os promotores, há elementos que indicam motivação política,
uma vez que Erasmo vinha fazendo denúncias públicas sobre contratos irregulares
e relatou, em plenário, que estava sendo ameaçado.
Risco de condenação internacional
Além da impunidade doméstica, o MP alerta que
a má condução da investigação pode expor o Brasil a uma nova condenação
na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Casos similares,
como o da “Chacina do Parque Bristol” e o “Maio Sangrento”, já renderam
condenações ao Estado brasileiro por falha em apurar e punir crimes contra a
vida.
O pedido lembra que mais de 90% das ações
contra o Brasil na CIDH resultaram em sentenças condenatórias, reforçando a
importância de se agir com firmeza em casos de omissão estatal.
O que acontece agora?
O pedido do MPCE está agora nas mãos da Procuradoria-Geral
da República, que poderá acolher a representação e enviar o pedido de
federalização ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Cabe ao
STJ decidir se o caso será deslocado da esfera estadual para a federal.
Caso isso ocorra, a investigação passará a
ser conduzida pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal,
com autonomia para abrir novas frentes investigativas, requisitar diligências
e, possivelmente, responsabilizar os envolvidos — inclusive agentes públicos
que tenham agido com negligência ou conivência.
🔎 LINHA DO TEMPO: CASO ERASMO MORAIS
·
07/05/2024: Erasmo Morais é executado com mais de 35 tiros no
Crato (CE)
·
Maio/2024: Galpão com câmeras e carro do crime é violado; HD com
imagens é destruído
·
Dezembro/2024: Última oitiva relevante da investigação
·
Maio/2025: Ministério Público pede que o caso seja transferido à
Justiça Federal
📣 O QUE ESTÁ EM JOGO:
✅ Proteção ao direito à vida
✅ Combate à impunidade em crimes com motivação política
✅ Cumprimento de tratados internacionais de direitos humanos
✅ Restauração da confiança pública nas instituições de segurança e justiça
Processo N": 0201754-81.2024.8.06.0301
Niimero SAJ-MP: 08.2024.00180429-1
Fonte > Princesa FM