Como professora e mãe observo, recebo, sinto e me angustio ao ver o trato descompromissado de gestores com a oferta da educação integral. Há anos a educação brasileira vem sendo mutilada por legisladores e executores de leis que na visão deles que nem de longe conhecem o processo ensino aprendizagem, é o melhor, fingindo oferecer benefícios, seguem discutindo e aprovando leis que mais penalizam alunos e professores do que promovem melhorias na educação. Em um jogo de aquisições financeiras em que os donos do capital comandam tudo a educação regular vem se perdendo no tempo, esquecida por quem não conhece os contextos escolares agindo para atender ao mercado. Em meio aos problemas de uma educação regular que precisa urgente de uma releitura, análise e reformulação, surge a educação integral que vem segundo seus idealizadores com a proposta de preparar os estudantes para as múltiplas dimensões da vida contemporânea. Supostamente dizem manter o foco do ensino integral que visa a relação do aluno com a família e o contexto da comunidade escolar.
As escolas Brasil a fora vêm fazendo um misto de educação integral com tempo integral, esticando o tempo que deve ser uma jornada diária de 7 horas.
Porém o que vemos é apenas esticar o tempo e sem planejamento, nem consulta aos principais envolvidos, professores, alunos, comunidade escolar, gestores que ignorando o princípio de uma educação democrática, na pressa de adquirirem recursos, aderem o programa de educação integral e empurram alunos e professores para dentro de uma suposta escola integral, com uma estrutura e condições de ensino aprendizagem precária, que passa longe da definição da mestra em educação pela PUC-Rio, Fernanda Colmenero que afirma, “ a educação integral tem um olhar constante e atento para o desenvolvimento de habilidades e competências para a vida nestas crianças. Para além de português, matemática, é fundamental permitir às crianças que experimentem novos tempos e espaços de aprender”.
Porém, o que está chegando nas escolas é um arranjo mal planejado por gestores escolares e secretarias de educação que nem de longe se adequa ao que consta nos marcos legais da educação. Iniciando com a imposição das matrículas aos responsáveis dos alunos, sem dar oportunidade de escolha, indiretamente coagindo a efetuação da matrícula. E os professores? Apenas recebem o comunicado de que a escola passa a ser integral. Uma vez implantado o ensino integral, nós professores e alunos sofremos as consequências da desordem causada por falta de respeito e planejamento para a oferta da educação integral. O reflexo desse despreparo é notório, começando pela estrutura sucateada e herdada do ensino regular, passando pela alimentação que deve ser reforçada e nutricional para que os alunos tenham disposição para a jornada de estudo ampliada. Porém, os problemas que causam indisposição nos alunos começam pelo transporte, superlotado com professores e alunos, as vezes fazendo duas rotas, atrasando o horário das aulas, comprometendo a aprendizagem dos alunos.
Professores e alunos já sentem o peso dessa implantação impositiva e desastrosa da educação integral. Por outro lado, a falta de acompanhamento dos pais, a falta de fiscalização dos representantes do povo, a aceitação e consentimento da maioria dos professores expressa um contentamento velado que a longo prazo colheremos os frutos
indigestos dessa educação despreparada, antidemocrática que nos empurram e nos atropela.
Se antes de ditar um formato de educação despreparado tivessem remetido à proposta de Anísio Teixeira nos anos 1950 que como educador visava a relação entre a escola e a comunidade como o essencial para a efetivação do processo educacional. Ou tivessem se inspirado no modelo de Darcy Ribeiro que retomando o exemplo de Anísio Teixeira, propõe que a escola deveria estar conectada ao contexto do aluno e às habilidades necessárias para realizar tarefas cotidianas. Talvez se tivessem se debruçado na proposta desses dois grandes educadores antes de implantar o ensino integral, não estaríamos sofrendo, e provavelmente estaríamos felizes e avaliando tal processo como positivo. Mas não. Nossa conclusão é, dessa forma imposta, sem planejamento e forçada a educação vai de mal a pior.
O Centro de Referência da Educação Integral entende que as bases dessa modalidade são: equidade, inclusão, sustentabilidade e contemporaneidade. Porém, o formato oferecido passa longe de tudo isso.
A escola não pode ser uma ilha, deve estar aberta à comunidade, proporcionar dentre outras possibilidades a transformação social. Neste sentido a modalidade integral é vista como benefício, porém o que deveria ser um ambiente conectado com a realidade, aberto ao diálogo e democrático, está se configurando um modelo opressor.
Cabe a nós professores, pais e alunos, cumprirmos nosso papel de cobrar que se volte, recomece e nos respeite, nos incluam de fato e de direito nesse processo, nos ouvindo, refletindo, repensando e nos ofertando uma educação como diz a constituição e todas as diretrizes educacionais.
Do contrário, a educação segue afundando em um abismo sem fim.
Por Juliana Gomes,
professora de língua
portuguesa da educação
básica.